Sebastião Salgado apareceu mancando e de muletas. O fotógrafo brasileiro rompeu o menisco em sua última viagem à Amazônia, onde retrata comunidades indígenas há três anos. Mas, vestido de gala para receber um prêmio, senta-se e dispara: “a fotografia está acabando”. Aos 72 anos, um dos melhores fotógrafos dos séculos XX e XXI se sente tão desconectado da tecnologia, dos celulares e aplicativos como o Instagram quanto as tribos que está registrando nos últimos meses. “Eu não sei nem ligar um computador”, confessa com um sorriso. O homem que imortalizou a pobreza e a natureza selvagem em todo o mundo continua trabalhando como fazia antes: com negativos e impressões, que revê e toca. Mas agora produz suas fotos com uma câmera digital. “Eu me adaptei um pouco, como os dinossauros antes de morrer”, brinca diante de um pequeno grupo de jornalistas na entrega do Prêmio Personalidade da Câmara de Comércio França-Brasil, no Rio de Janeiro.
Sem Instagram
Mas Salgado não tem Instagram nem “nada disso”. “Eu não gosto. Sei que os jovens gostam, mas eu não consigo”, confessa. Às vezes, explica ele com sua voz arrastada, olha o celular de seus sobrinhos e fica horrorizado ao ver como os aplicativos para compartilhar fotos acabam servindo para “exibir toda a sua vida, para que todos a vejam”. “Olha, às vezes tem fotos interessantes, mas para fotografar você tem que ter uma boa câmera com uma lente adaptada, tem que ter uma série de condições, a luz… não pode ser um processo automatizado”, explica.
Fotos no papel
A fotografia não é imagem. Autor de livros antológicos, como “Trabalhadores” (1996), “Outras Américas” (1999), “Êxodos” (2000) ou “Gênesis” (2013), Salgado acredita que a fotografia tem que passar pelo papel. “A fotografia está acabando porque o que vemos no celular não é a fotografia. A fotografia precisa se materializar, precisa ser impressa, vista, tocada, como quando os pais faziam antes com os álbuns de fotos de seus filhos”, afirma. “Estamos em um processo de eliminação da fotografia. Hoje temos imagens, mas não fotografias”, insiste. Salgado recorda como nas filmagens do documentário premiado sobre a sua vida “O Sal da Terra” (2014), a câmera que Wim Wenders e seu filho utilizaram era a mesma que ele utilizava em seus trabalhos. “Uma câmera não é mais uma câmera 100% fotográfica”, lamenta o fotógrafo autodidata que estudou economia.
Profecia
Filho de uma geração analógica e praticamente artesanal, o brasileiro se atreve a prever uma data de expiração para a fotografia: “Eu não acredito que a fotografia vá viver mais de 20 ou 30 anos. Vamos passar para outra coisa”. Mas antes que sua profecia se cumpra, Salgado tenta contribuir com seu grão de areia. Sua mais recente obsessão: buscar as raízes de seu país nas comunidades indígenas da floresta amazônica para que os mais jovens se lembrem através de exposições em escolas e universidades. “O Brasil é um dos poucos países do mundo que pode conviver com sua pré-história”, diz emocionado o artista, arqueando as espessas sobrancelhas brancas. Embora por um tempo tenha ficado deprimido com o que via através das lentes e acreditasse que não havia esperança para o homem, Salgado seguiu adiante encontrando refúgio na natureza com o seu projeto ecológico Instituto Terra. Agora, a meio caminho entre Paris e Brasil, está animado com a Amazônia. Nem sua idade, nem o menisco rompido conseguem pará-lo. “Depois disso, não sei o que vou fazer”. Salgado faz uma pausa e sorri: “Se o outro joelho não quebrar…”.