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Lula ataca Lava Jato e nega ter pedido reformas em sítio de Atibaia

15 novembro 2018 | 7:29

Foto: Reprodução

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva atacou a Lava Jato, entrou em discussões com a juíza substituta de Sergio Moro e negou ter recebido vantagens indevidas de empreiteiras em interrogatório nesta quarta-feira (14) no processo no sítio de Atibaia (SP). Foi a primeira vez que Lula depôs como réu após ter sido preso em abril por ter sido condenado por corrupção e lavagem de dinheiro no processo do tríplex de Guarujá. Ele nega as acusações. Também é a primeira vez que a juíza Gabriela Hardt, que substitui Moro na 13ª Vara de Curitiba, interroga o ex-presidente. Durante o depoimento de quase três horas, ela e Lula se confrontaram em diversos momentos. “Eu me considero um troféu, que a Lava Jato precisava entregar. Eu disse ao juiz Moro que, pelo que aconteceu até agora, ele não teria outra alternativa a me condenar”, afirmou Lula à juíza no final do depoimento. No processo, o ex-presidente é acusado de ter sido beneficiado indevidamente com reformas de R$ 1,02 milhão das empreiteiras Odebrecht e OAS em imóvel frequentado por ele e por sua família no interior de São Paulo. Lula é réu desde 2017 neste caso por corrupção e lavagem de dinheiro.

Durante o depoimento, o ex-presidente tratou os processos que responde como farsas. O ex-presidente afirma que não sabia que as empreiteiras fizeram reformas no sítio e disse duvidar que a ex-primeira dama Marisa Letícia, morta em 2017, pediu para que as empresas tocassem obras no local. “Eu não acredito que a dona Marisa tivesse efetivamente relação para pedir para uma empresa fazer obra”, disse.

Oficialmente, o sítio está dividido entre dois proprietários. Uma parte está no nome de Fernando Bittar, filho de Jacó Bittar, amigo que fundou o PT com Lula. A outra pertence formalmente ao empresário Jonas Suassuna, sócio, assim como Bittar, de Fábio Luís da Silva, o Lulinha, filho do e­­x-presidente. As reformas da Odebrecht foram reveladas pela Folha de S.Paulo em 2016.

Lula afirmou que esteve no sítio pela primeira vez em 2011 para passar um fim de semana, ao saber que o sítio era de Jacó Bittar. Depois, passou a ir frequentemente ao local. Questionado se foi oferecido a ele o quarto principal do imóvel, afirmou: “Isso era uma deferência que eu recebia, tanto lá na chácara quanto no palácio da rainha da Inglaterra, como no palácio da rainha da Suécia. Em vários lugares que frequentei, inclusive no Kremlin”, disse.

“Não sei o que o Ministério Público viu de absurdo nisso”, acrescentou. O ex-presidente negou que tenha pedido reformas no sítio, e disse que jamais conversou com os empreiteiros Emílio Odebrecht ou Leo Pinheiro sobre o tema. Lula voltou a afirmar que não era dono do sítio -e que, por isso, jamais perguntou sobre as obras ou quem pagaria por elas, afirmando não ser xereta.

“Eu vou repetir: a chácara não era minha. Quem tinha que falar sobre obras na chácara era quem era dono”, afirmou. “O cara tem a propriedade, ele me emprestava a propriedade, e vou ficar perguntando o que fez ou não fez?”

Durante a audiência, a juíza esclareceu que a acusação contra Lula não é se ele era ou não o real proprietário do sítio -mas sim, se as obras feitas no local foram feitas em seu benefício, com dinheiro desviado da Petrobras. “Vocês me deram o testemunho: o sítio não é do seu Lula, graças a Deus”, disse o petista. Hardt, então, respondeu: “Eu não falei isso. Eu falei que a acusação imposta ao senhor nesse processo não é [sobre a] propriedade do sítio. Não é disso que o senhor está sendo acusado”.

A juíza afirmou que Lula “não sabe do que está sendo acusado”. “Ele está se defendendo de uma coisa, e a acusação é outra”. O procurador Athayde Costa chegou a sugerir que Lula procurasse um defensor público, caso ele veja problemas na defesa técnica. Em várias passagens do depoimento, Lula negou que as obras feitas no sítio tivessem a finalidade de beneficiá-lo. Ele afirmou que não pediu nenhuma melhoria.

“Eu vou lá porque o dono do sítio me autorizou a ir lá, tá? Que bens pessoais que eu tinha no sítio? Cueca? Roupa de dormir? Sabe, isso eu tenho em qualquer lugar que eu vou. E nenhum empresário pode afirmar que o sítio é meu se ele não for meu.”

Lula disse que tinha uma ligação praticamente familiar com Fernando Bittar, “quase que uma relação de pai e filho”, e que não discutia assuntos políticos com ele. O ex-presidente também negou a instalação de uma adega no sítio “Não era adega, era um quarto”, afirmou. “Não tinha nem ar condicionado nem refrigeração para guardar vinho.”

Questionado sobre fala dita pelo próprio ex-presidente durante a condução coercitiva em 2015 sobre o sítio em Atibaia ser sigiloso, Lula disse que precisava de uma local para ter privacidade.

“Sabe, se um dia você ficar famoso [se dirigindo ao procurador], você vai perceber o quanto é difícil. Na verdade, você fica prisioneiro. Tanto que eles sabiam que o lugar que eu me sentia mais confortável era no Torto ou no Alvorada. Porque lá eu tinha segurança que ninguém tava me bisbilhotando. Por isso que era importante que tivesse isso [sigilo].”

Já perto do fim da audiência, um dos advogados pediu licença para se retirar da sala, explicando que já havia dito que precisaria sair por causa de outro compromisso. Lula então fez uma piada: “Me leva com você”.

A juíza, ao ouvir o pedido direcionado ao advogado, interveio: “Se o senhor quiser ficar em silêncio, também podemos encerrar. O senhor quer responder às outras perguntas ou quer encerrar?”. Lula ficou calado, e o depoimento prosseguiu.

PROPINA
No depoimento, Lula reafirmou desconhecer pagamentos de propina para o PT e detalhes a respeito da reforma do sítio de Atibaia (SP).

“O que sei é o que a imprensa publica todo dia. Quando vejo na TV e nos jornais alguém dizer que havia uma conta no meu nome sem que eu soubesse, no mínimo achou que sou um imbecil.”

Também afirmou não ter conhecimento de notas relativas à obra encontradas pelo polícia em seu apartamento em São Bernardo do Campo.

“Olha, primeiro não sei se foram encontradas [em meu apartamento] em meu apartamento. Estou sabendo disso agora. Nunca soube de nota de obra na minha casa.”

Disse, contudo, que sua mulher, Marisa Letícia, morta em fevereiro de 2017, poderia ter comprado alguns objetos para o sítio. Em delação premiada, o empresário empresário Leo Pinheiro, da OAS, disse que a reforma do sítio e a do tríplex do Guarujá foram custeadas por uma conta geral que a empreiteira tinha com o PT.

“Eu nego veementemente. Nego a existência dessa conta”, disse o ex-presidente. “Não sei quem fez essa reforma da cozinha.”

“Se a reforma foi feita, entendo que alguém pagou. Ou a Marisa ou Fernando [Bittar, proprietário legal do sítio] pagaram.”

“Eu não paguei. Não falei com eles sobre isso. Estamos falando de 2014. Não era mais presidente da República, nem disputava mais eleições. Sempre parti do pressuposto de que o cara fez um serviço, ele recebe pelo serviço. ou o Fernando pagou, ou a Marisa pagou.”

Em depoimento nesta segunda, Bittar declarou que as reformas feitas na propriedade, para ele, estavam sendo pagas pelo petista e sua família –e não por empreiteiras.

Lula disse que desde 1975 não cuida de nada relativo a pagamento de contas ou compras em sua casa. Tudo ficava a cargo de Marisa, em quem disse ter total confiança. “Ela era era muito responsável. Não acredito que dona Marisa tenha feito alguma coisa que possa resultar em não pagar alguém. Se ela não pagou, é porque alguém convenceu ela que não queria receber.” 

O petista também criticou as delações com acusações contra ele.

“O Leo tá há quase dois anos tentando negociar uma delação. E não aceitam. “Ô Leo, ou você acusa o Lula de verdade ou você nunca vai ter delação”. Foi feito assim com Palocci, com muita gente.” 

Lula reagiu com ironia ao ser indagado se manteve contato com o ex-tesoureiro do PT João Vaccari Neto durante a Presidência e depois de ter saído do cargo. “Antes, durante [sim], e depois não, porque vocês prenderam ele.”

Vaccari é réu em outros processos da Lava Jato sob acusação de ter gerenciado recursos ilegais oriundos do esquema de corrupção da Petrobras.

Lula relatou que cobrava do ex-tesoureiro a iniciativa de pedir uma espécie de acareação com responsáveis pelas contas de outros partidos, indicando que a forma como o PT se financiava era semelhante à de outras siglas.

“Se você pegar as finanças do PT, você vai ver que foram feitas iguais às do PSDB, do PP, de todos os partidos políticos”, disse, reclamando que “houve um momento em que só o PT e o Vaccari pagaram a conta” e só “depois de muitos anos começaram a pegar outros tesoureiros aqui e ali”.

Numa alusão à tela apresentada pelo procurador Deltan Dallagnol, Lula afirmou que houve a tentativa de criminalizar o PT. “Uma das coisas que estavam no PowerPoint é tentar vender o PT como uma quadrilha que ganhou para roubar o país.”

Em outro momento, ele se voltou novamente contra a investigação, sem citar nomes. “Eu só queria… Inclusive para o nosso amigo do Ministério Público. Há uma visão equivocada de vocês na questão da relação [do Planalto] com a Petrobras. […] É humanamente impossível imaginar que um presidente da República decida obra na Petrobras.”