O Brasil ultrapassou neste sábado (8) a expressiva marca de 100 mil mortes causadas pelo novo coronavírus e, em muitas cidades, vive a reabertura: praias cheias, bares abertos, jogos de futebol, tudo com máscaras e distanciamento social. Impactados pela crise, muitos voltam ao trabalho presencial — para alguns, o isolamento jamais foi uma opção.
De concreto no segundo país em número de mortes — segundo a Universidade Johns Hopkins —, persiste a incerteza sobre os reais números de infectados e mortos pela Covid-19. Enquanto isso, prefeitos e governadores são pressionadas pela reabertura e notícias sobre remédios sem comprovação científica dividem espaço com a corrida pela vacina.
A convite do UOL, Miguel Nicolelis, neurocientista e coordenador voluntário do Comitê Científico de Combate ao Coronavírus do Consórcio Nordeste; Paulo Lotufo, epidemiologista da USP (Universidade de São Paulo); e Domingos Alves, professor da Faculdade de Medicina da USP, falam sobre a falta de dados oficiais que permitam compreender como a pandemia se comportou até o momento e a eficácia das medidas de combate.
Explicam ainda o possível “efeito bumerangue” — um novo pico em regiões aparentemente estabilizadas — e oferecem análises que almejam oferecer um melhor entendimento da doença que tanto nos mata.
“Chegamos a 100 mil mortos e ainda não caiu a ficha do tamanho dessa tragédia. Quando vimos as quedas das torres gêmeas [de Nova York, em 2001], ficamos muito chocados. O mesmo quando vemos a queda de aviões. Mas, curiosamente, a cada três dias caem duas torres, a cada dia caem três boeings. Este número [de mortos] seria [equivalente ao de] uma guerra, e parece que ainda não caiu a ficha”, alerta Nicolelis.
Acumulado de mortes supera população de 94% dos municípios
De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), só 324 das 5.570 cidades no Brasil têm população maior do que 100 mil habitantes, cerca de 6% do total de municípios.
Ou seja, 94% das cidades teriam sido dizimadas caso todos os óbitos por covid-19 no país tivessem se concentrado apenas em seu território.
“É como se você olhasse da sua janela de um bairro populoso de uma grande cidade e não visse ninguém em todos aqueles prédios. [Se todos os mortos tivessem vivido próximo a você,] Você estaria sozinho em um raio de 6,5 km”, explica Nicolelis.
Afrouxamento do isolamento social e “efeito bumerangue”
A interiorização da pandemia, na atual fase da crise, levanta novas preocupações nos pesquisadores, especialmente devido às medidas de afrouxamento do isolamento social adotadas por muitos estados e municípios.
Depois de nacionalizado o vírus, ele pode voltar a se espalhar e impactar centros que aparentam estar com curvas estáveis ou em queda, como Manaus, Fortaleza e Rio de Janeiro.
Ou seja: ao se espalhar pelo interior dos estados, uma nova onda de Covid-19 pode desaguar novamente na costa e nas capitais. “É o efeito bumerangue”, define Nicolelis. “Essas capitais que têm apresentado na mídia que têm tudo sob controle estão ampliando a flexibilização. Assim, vão reviver a mesma coisa [aumento de casos] nas próximas semanas”, explica Alves.