“Dessa sagrada colina / mansão da misericórdia / dai-nos a graça divina / da justiça e da concórdia”.
Foi com os versos acima, escritos por em 1923 por Arthur de Salles e João Antônio Wanderley, que Caetano Veloso homenageou, na década de 1960, um dos maiores símbolos do sincretismo religioso da Bahia: Nosso Senhor do Bonfim. No último dia 5, a festa que homenageia o santo desde 1745 e é realizada na Cidade Baixa, em Salvador, foi reconhecida pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) como Patrimônio Imaterial do Brasil. “É a mais importante e singular festa que nós temos, acontece há quase 300 anos e envolve uma quantidade inacreditável de pessoas”, afirma Carlos Amorim, superintendente do Iphan na Bahia. Agora, como bem protegido, a comemoração passa a ter as manifestações populares, (como o cortejo, a procissão, a missa solene, a lavagem de escadarias e o terno de reis, por exemplo), periodicamente acompanhadas pelos técnicos do Iphan e terão os elementos constitutivos monitorados.
“Temos o registro da história do bem, como nasceu, como evoluiu e como está hoje.”, garante Amorim. No estado da Bahia, o ofício das baianas de acarajé, a capoeira e o samba de roda do recôncavo baiano também são bens protegidos. Para o presidente da Fundação Cultural Palmares, a decisão do conselho consultivo do IPHAN reconhece a importância de uma das maiores manifestações culturais do país. As homenagens dedicadas ao Senhor do Bonfim começaram em 1745 quando a imagem do santo foi trazido pelo capitão Português Teodósio Rodrigues de Farias, em cumprimento a uma promessa por ter sobrevivido a uma forte tempestade. O ritual da Lavagem das escadarias da igreja veio também deste período, quando os escravos eram obrigados a lavar o templo para a festa celebrada no segundo domingo após o Dia de Reis. A faxina do templo religioso acontecia sempre numa quinta-feira, três dias antes da festa. No mesmo período, os negros escravizados começaram a reverenciar Oxalá, o pai de todos os orixás e o cortejo até a Colina Sagrada passou a ser marcado por muita dança, o que provocou a proibição da lavagem da igreja, em 1889, pelo arcebispo da Bahia Dom Luís Antônio dos Santos. Com o passar do tempo, o rito voltou a acontecer e além do contexto religioso, a Lavagem do Bonfim também é caracterizada pela grande festa que acompanha e circunda o trajeto de fé.