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Jeremias Macário: Vou ser mocó e viver numa loca

4 abril 2018 | 0:08

Jeremias Macário de Oliveira | Jornalista | macariojeremias@yahoo.com.br. Foto: Divulgação

Não fique ai esperando. Com um eleitorado quase todo ignorante, alienado e escravo dos favores e dos religiosos, as eleições não mudarão as coisas. A ratazana vai continuar roendo o delicioso queijo chamado Brasil. Sem esperanças e futuro incerto, vivemos numa sociedade acossada pelo medo. Por até ser covardia ou fuga do real, mas estou cansado e pensando em virar mocó num sítio qualquer por aí pra viver na minha loca, isolado no meu buraco egocêntrico, e bem longe de tantas idiotices e imbecilidades. Prefiro a reclusão nestes dias que me restam. As circunstâncias financeiras, infelizmente, ainda não me permitem, mas tenho pressa e apelado para Odin e a todos os deuses do universo que me levem. O tempo não espera e estou me esvaindo aos poucos neste turbilhão de besteiras, retrocessos, violências e descalabros dos porcos malfeitores. Neste arrastão desumano, confesso que não sou um homem maduro o suficiente pra viver com sabedoria e serenidade, de modo a evitar a irritação e a revolta. Ainda me sinto um perdido nesta selva dividida de lobos, hienas e raposas raivosas. Meu lugar não é mais aqui.

Os extremistas estão avançando com seus tanques e passando por cima das diversidades e divergências. O ovo da serpente está sendo gestado. Os direitos humanos e trabalhistas, os movimentos em defesa da igualdade social, de gênero e de cor, as lutas em prol de justiça para os injustiçados e as denuncias contra as brutalidades da força repressora policialesca estão sendo destruídos e ameaçados de morte. Como no poema de Maiakovski, do jardim pisoteado, agora estão arrombando nossas portas e destruindo nossas flores e lares, provocando choros, lágrimas e ranger de dentes. As nossas crianças e jovens estão sendo exterminadas por balas assassinas, e não se sabe quem é mais truculento e sanguinário, se as rajadas dos bandidos dos morros e asfaltos ou os homens ditos da lei com seus fuzis e metralhadoras em punho. As ideias macabras nazifascistas de ódio e intolerância se disseminam nas redes sociais com calúnias, injúrias e difamações. Por todos os cantos se ouve impropérios, absurdos e incitações dos radicais. As notícias falsas e mentirosas se propagam como rastilho de pólvora. Das bocas tremulas escorrem espumas de ódio e dos cérebros endurecidos ofensas contra os que rogam por igualdade. O certo não é mais certo, e o errado é o correto. Todos estão fixos como robôs de olho nas telas malditas, e longe do olho no olho entre os seres. A mobilização popular tem seu tempo curto de ativismo, só enquanto o sangue ainda está quente nas ruas e nas calçadas. Depois todos seguem indiferentes, cada um no seu caminho da busca pela sobrevivência individual. O coletivo é sempre o descartável e tem seu prazo de validade vencido.

 Dia desses escutei um cara arrotar sua verborreia de que todo ateu é um fanático, que a CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) é comunista e não representa a Igreja Católica, e que todo comunista é um vagabundo safado que merece morrer. Os brutos estão por toda parte para atirar no primeiro diferente a ele. As sombras do regime militar pairam sobre nós, numa sociedade ainda dominada pela mentalidade conservadora, colonial e patriarcal. Nem precisaria perguntar, mas na sua concepção estava bem estampada na testa que toda feminista é uma vagabunda, como a Marielle Franco, recentemente executada. Isto saiu da boca de um militar, mas também poderia ter sido de um civil que pede a volta da ditadura. Aliás, os fantasmas dela ainda rondam nossas vidas porque as feridas continuam abertas. Com a anistia dos torturadores, não foram cicatrizadas. Os evangélicos berram nos seus templos e fora deles, deturpam os ensinamentos e querem condenar ao fogo do inferno os nãos seguidores de Cristo. Para muitos, o candomblé é o satanás chifrudo. A xenofobia, a homofobia e o preconceito crescem como ervas daninhas. Das covas fúnebres das trevas levantam os zumbis famintos por sangue. Incitam achando que não vão ter o retorno, mas no dito popular, “quem com o ferro fere, com o ferro será ferido”. Não atirem ovos, tomates podres e pedras se não querem, lá adiante, serem agredidos com os mesmos objetos, e até mais que isso. Mandar baixar a “porrada”, dar um corretivo no indivíduo só geram mais embates fratricidas. As mais altas cortes brigam de unhas e dentes para não perder seus penduricalhos. Nesta nau dos insensatos, todos são suspeitos e culpados pelos crimes cometidos, e é dela que quero sair para viver em minha loca e purgar pelos meus pecados. Esse habitat onde o mal não tira folga, não mais me pertence. Sinto-me sem forças para resistir. Perdi há pouco tempo um grande amigo de semblante magoado e solitário diante das ingratidões.