Por: José Roque Silva Batista
Sempre que se iniciam mandatos de gestões públicas, independente do âmbito, seja municipal, estadual ou federal, uma movimentação frenética acontece em torno dos cargos públicos comissionados e de confiança, que no meio político se notabiliza como -dança das cadeiras-.
Possivelmente esse termo tenha surgido de uma antiga brincadeira de criança, onde as cadeiras são postas em forma de círculo, de modo que, os assentos em quantidade limitada são disputados a unhas e dentes por um número maior de participantes.
É justamente no bailar dessa -dança- que surge a figura perniciosa do nepotismo, tão marcante na administração pública, aparece sorrateiramente revestida de necessário e vista com boas intenções. Figura sinistra que privilegia o acesso de familiares ao serviço público, independentemente das habilidades e competências que os postulantes possuam.
Em que pese o fato dos postulantes terem as qualificações para os cargos, não justifica a prática de nepotismo, pois, o ato ilegal, imoral e antiético se dá em privilegiar a contratação de parentes ao serviço público, no qual a autoridade contratante tenha ingerência sobre o cargo, ferindo assim os princípios fundamentais da administração pública, visando a satisfação do interesse público sobre o particular.
A prática do nepotismo é milenar, no império romano, desde o início da era cristã, os imperadores permitiam que os cargos públicos das províncias ocupadas na Palestina, fossem indicados pelos fariseus e saduceus, classes religiosas do judaísmo da época, desde que os tributos fossem pagos, as rebeliões contidas e o culto imperial mantido; idêntico privilégio era dado à classe dos herodianos, que emplacavam na administração imperial seus parentes, “como é o caso de Herodes Magno, seguido depois por seu filho Herodes Antipas e por seu neto Herodes Agripa”, avalia o teólogo frei Casagrande (2019,224). Entretanto, de forma equivocada o relativismo religioso atribui o início do nepotismo aos papas, pretexto para difamação à Igreja Católica enquanto instituição.
O nepotismo consiste em uma erva daninha e brota no seio das melhores famílias, outrora, Jesus fora tentado por esse mal, os três evangelhos sinóticos narram o episódio em que a esposa de Zabedeu, mãe de Tiago e João, voltou-se para Jesus e lhe instigou: “Promete que meus dois filhos se sentem, um à tua direita e o outro à tua esquerda, no teu Reino”, O mestre repreendeu: “Não sabeis o que pedis!”, (Mt.20,20-22).
No contexto da realidade humana configurou ali um ato de nepotismo? A atitude exemplar de Jesus fica como ensinamento, combater esse mal é algo imperioso e se constitui em princípio cristão. Conforme Aquino (2020) “há especulações exegéticas que indicam que Tiago e João eram primos de Jesus”.
Há quem diga que o nepotismo e a corrupção incorporaram a cultura brasileira nas primeiras horas do seu descobrimento, fato é que na carta de Pero Vaz de Caminha a D. Manuel I, então rei de Portugal, Ele descreve a descoberta da nova terra, de suas belezas e riquezas, e no final faz-lhe o seguinte pedido de favorecimento a um parente: “livra meu genro da prisão”, justamente um condenado a degredado na Ilha de São Tomé na África, por roubo e agressão física.
Com o passar do tempo o nepotismo enquanto um mal social se aperfeiçoou e sofreu mutações com o intento de burlar princípios e normas, proporcionando àqueles que os recorrem à sensação de licitude, não obstante, algumas situações podem até serem entendidas como legais, a exemplo dos cargos políticos, no entanto, para a sociedade brasileira será sempre um ato imoral e antiético, pois privilegia laços familiares e troca de favores em detrimento ao mérito do postulante, com consequências prováveis a eficiência do serviço público.
Não se pretende aqui conceituar suas modalidades, muito embora, nos chame a atenção o nepotismo cruzado, não menos vergonhoso, ignora a inteligência alheia e consiste no ato pelo qual, o político emprega a parentela nos gabinetes dos seus pares e vice-versa. Infelizmente, o mal se estende em todas as esferas dos poderes da
República, entretanto, no Brasil, o nepotismo na atividade pública ferem princípios constitucionais e igualmente normas infraconstitucionais.
Para justificar a -dança das cadeiras- a argumentação é sempre a mesma – são cargos e funções de confiança do gestor- comportamento que não encontra respaldo ético e moral, e desentoa da forma de contratação do servidor público, pois a norma recomenda como princípio basilar a meritocracia, onde o servidor público ingressa no serviço por meio de concurso público ou outras modalidades similares que corroboram com o viés meritocrático, desde que a valorização dos laços familiares não prevaleça.
A abordagem posta, pode até suar como ingênua, porém é consenso que o nepotismo opera como um longo braço da corrupção na administração pública, responsável por gestões desastrosas e desvios de verbas, com resultados pífios em todas as áreas da administração, com péssimos serviços prestados a sociedade.
Segundo a entidade Transparência Internacional (2016), os países com alto grau de corrupção tem relação direta com os baixos índices de IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) que indica a baixa qualidade de vida de um povo.
É possível fazer diferente sim, conforme os relatórios da Transparência Internacional-2016, a Dinamarca, um país rico e desenvolvido, aparece como o menos corrupto do planeta, numa amostra que compreende 176 países nos cinco continentes, onde o Brasil ocupa 79o lugar. Os políticos dinamarqueses são mais honestos e oferecem serviços de alta qualidade, segundo dados, não existe por lá a figura do nepotismo no serviço público.
Com efeito, a cada eleição é garantia que se terá -dança das cadeiras- as cadeiras são limitadas e os postulantes são muitos e surgem de várias vertentes, o nepotismo flutua nas preferências, o executivo no primeiro bloco emplaca sua parentada, o legislativo reivindica seus lotes de ‘cadeiras’, mesmo que seja na calada da noite; sem falar dos apoiadores de campanha que também choramingam para encaixarem seus nepos e nepotis a qualquer custo.
Cenário assim acostuma propiciar clima favorável a outras rodadas das -danças das cadeiras- acredita-se promovidas por ações dos operadores do Ministério Público, que não toleram os abusos. Nepotismo é imoral, ilegal e antiético, afrontam os princípios constitucionais da moralidade, legalidade, impessoalidade, eficiência e outros mais.
A justiça brasileira disponibiliza de farto arcabouço de normativos capazes de jurisdicionar as práticas de nepotismo, segundo o jurista Frutuoso (2018) “mesmo não configurando crime previsto em lei, coloca o praticante sujeito a sanções de outras espécies. Tais sanções vão desde uma simples anulação da nomeação até mesmo processo de perda dos direitos políticos e da função pública que exerce”. Eis uma luz que brilha no fim do túnel.
Autor: BATISTA, José Roque Silva, contador, especialista em auditoria contábil, bacharelando em Teologia Católica pela Uninter e membro do Movimento Familiar Cristão de Eunápolis – BA. Fonte: nossacara.com