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Brumado: Quando a “Fobica” chegava, por Mena Azevedo

25 outubro 2015 | 8:09

Mena Azevedo membro da ALAB - Academia de Letras e Artes de Brumado. Foto: Divulgação

Texto de Mena Azevedo, membro da ALAB – Academia de Letras e Artes de Brumado. (Foto: Divulgação)

Como me esquecer das missas do Padre Antônio Fagundes? Malhada de Pedras se transformava em festa, uma semana antes, com novenas, quermesses, leilões… No dia da Missa, no domingo, a pequena paróquia se transformava num formigueiro humano. Criança, bem criança, acompanhava cada arrumação da casa, minha mãe a fazer deliciosos bolos e biscoitos, mandar as pessoas que sempre lhe ajudavam em casa matar galinhas e prepará-las com aquele tempero de festa, aquele cheiro gostoso que até hoje sinto invadir-me as narinas! Como me lembro dos lombos preparados com esmero, do leitão assado e do “corate” pururuca? Ah! Jamais me esqueço do bolo “leque”, bem amanteigado, dos sequilhos, bolinhos mimosos e outras guloseimas… Até hoje tento fazer tudo isso, mas nunca conseguirei imprimir em cada quitute preparado, em cada bolo e sequilho aquele cheiro de festa, aquele sabor, aquela textura, tudo para receber o “Padre”!

Foto: Brumado Verdade

Foto: Brumado Verdade

Ao relembrar esses momentos da infância, como não me lembrar das missas… Assistia a todas e elas também me traziam cheiros especiais: perfumes das flores no altar, pessoas vestidas com roupas engomadas… Eram cheiros de roupas de domingo; cheiro de incenso, cheiro de velas, cheiro dos vários perfumes dos fieis que se misturavam e emanavam de seus corpos suados, misturados à poeira das estradas… Cheiro da gasolina da “Fobica”, do ronco do seu motor que soltava fumaça… Ah! Mas o cheiro especial, vinha do Altar! O padre, com sua voz alegre e forte, dizia palavras bonitas e perfumadas, um perfume que vinha do mistério da fé, quando ele elevava a Hóstia Consagrada e dizia:

-“Corpo de Cristo”!

Eram esses cheiros que me seduziam, me encantavam, tornando as missas do Padre Antônio inesquecíveis, de fragrâncias inebriantes!

 Estar em Malhada foi uma questão de algum tempo. Meu pai tinha fazenda e comércio por lá e levou minha mãe com filhos já nascidos aqui para lá passarem algum tempo.

Também morava nesse lugar, um tio, o tio Abias. Era na casa dele que o padre Antônio se hospedava em tempos de missa. Mas meu tio voltou para Brumado e meu pai ainda ficou ali mais uns anos. Outras pessoas do lugar queriam receber o padre, mas ele escolheu para seu anfitrião, o meu pai. Minha mãe ficou tão contente, que avermelhou a ponta do nariz pela sua sensibilidade e chorou de alegria. Então, o padre Fagundes, como o chamava meu pai, passou a hospedar-se na nossa casa. Ele era uma pessoa muito querida por toda a família. Aqui em Brumado, era amigo dos meus avós, principalmente da minha avó Mena e da minha tia Dadá. Costumava tomar com elas o chá da noite, com quem entabulava papos agradáveis, como sempre me dizia.

Voltando às missas que celebrava em Malhada, tudo era motivo de alegria para mim, muito criança ainda. O mistério desse acontecimento não entendia, mas entendia sua importância na vida das pessoas.

Os preparativos nessa época não só ocorriam com a casa. Para acontecimento tão importante,mamãe mandava fazer roupa nova para todos nós. Lembro-me dos vestidos costurados pelas tias daqui de Brumado! Como eram lindos e feitos com tanto carinho e capricho! Ainda pequena, sentia-me toda vaidosa com aqueles vestidos trançados de fita, plissados, bordados e laços de fita de tafetá, prendendo os cabelos de cachos que douravam ao sol do nosso sertão!

Missa marcada, os preparativos começavam uma semana antes. Muitas vezes, eu aqui em Brumado na casa dos meus avós maternos,viajava para Malhada com tias e primos, amigos de meu pai e ainda políticos quando era tempo de política… Ah! Esses políticos não perdem a oportunidade mesmo! Mas o bom desses momentos era ver a “Fobica” do padre apontar lá no alto, fazendo aquele poeirão de terra solta esbarrar nas roupas novas do pessoal que descia ladeira abaixo para a grande festa. E vinham comentando: -“Olhe o padre, está chegando! Quantos casamentos vai fazer hoje? E Batizados? Quando chegar na casa de compadre Gerson a gente lava o pé… Ou na casa de Zé Ferreira…”

E eu, menina ainda, absorvia tudo isso. Caso por caso, brincadeiras dos meus irmãos menores… E tudo isso guardei como lembranças vivas e queridas. Às vezes, a “Fobica” demorava de aparecer no alto da ladeira e meu pai ia para a porta e ficava a olhar da calçada alta da casa e nós o cercávamos ansiosos pela chegada do padre. “E se ele não chegasse?” Pensávamos já com o semblante demonstrando tristeza. Mas ele sempre chegava… Chegava com o sorriso nos lábios, entregando sua maleta ao sacristão.

Depois de lavar o rosto e enxugá-lo com toalha de linho bordada, usada nessas ocasiões, o padre se sentava à mesa para o café. A missa seria longa e, depois da celebração, casamentos!… Encerrada essa primeira parte, era hora do almoço. Meu pai oferecia a cabeceira da mesa para o padre e se sentava ao seu lado, com alguns convidados, parentes. Lembro-me de uma vez em que meu irmão, com quatro anos apenas, pediu a minha mãe para ele também sentar-se à mesa. Ela relutou. Mas meu pai consentiu e disse a ele para proceder. Não sei o que isso significava para um garotinho de quatro anos, terrível, conversador, que se metia nas conversas dos adultos a contar “histórias engraçadas”… Talvez, por isso, mamãe não quisesse que ele se sentasse à mesa. Mas ele sentou, bem em frente a uma tia, muito amiga do padre, mas muito exigente e “carrancuda”! A conversa transcorria normalmente. Falava-se em chuva, seca, aflição do povo da catinga, morte de animais… Também um pouco de política, quando meu irmão, de repente, pergunta ao padre: “Padre, para ser padre precisa…” E olhou para minha tia que já tremia de medo se alguma pergunta indevida saísse daquela boquinha falante. Minha tia fez uma cara de reprovação!… Nesse exato momento, meu irmão completou a frase: “precisa estudar?” “Sim, sim, respondeu o padre. Precisa estudar muito”! Foi um alívio geral. Você, caro leitor, imagina o que o pequeno garoto iria perguntar?… Se não imagina, pergunte-me depois!

Após o almoço e o descanso, era a vez dos batizados na minha casa. Mamãe era madrinha de cinco, seis crianças. O padre dispunha os pais das crianças em círculo e a madrinha, minha mãe, ao lado dele. Era muito bonito ver tudo isso acontecendo em casa.

Após os batizados, o padre se sentava na sala de visitas para descansar um pouco e o mesmo irmão que sentava à mesa para almoçar com os adultos contava muitos casos e o padre dava boas risadas. Quem diria, hein? Muita gente é que não o entendia…

O Padre Antônio tinha esse outro lado que muitas pessoas não conheciam. Era alegre, conversava muito e ria dos casos que lhe contava meu irmão: “Miro, Mirote, pé de caçote, subiu no fogão pra roubar feijão, quebrou os cuilhão” e tantos outros casos engraçados. Minha mãe morria de vergonha! Mas ninguém segurava esse meu irmão.

Voltava à Igreja para celebrar outros batizados e retornava à nossa casa, tomava café para partir. A praça da Matriz ia ficando mais rala de gente… Algumas pessoas já se preparavam para retornar aos seus lugares, muitos distantes dali. As crianças soltas na rua desmanchavam as bandeirolas e pegavam as palhas de coqueiro, fazendo desses enfeites da festa, seus brinquedos. Esses eram outros cheiros: cheiro de fim de festa, cheiro de saudade…

E eram assim as missas. Quando tudo acabava e que se ouvia o ronco do motor da “Fobica” ficando mais distante, até sumir na ladeira, acompanhando o sol que também sumia por trás da serra, uma saudade imensa me invadia o ser!…Era hora de retornar à vida pacata daquele lugar, com pouca gente e recolher ao seio da família.

Essa “Fobica” que hoje se encontra no Memorial de Brumado é a presença viva de Monsenhor Antônio Fagundes! Ela traz as recordações mais distantes à tona e desperta saudade nas muitas mentes de pessoas que, como eu, o viram chegar a sua comunidade para levar a palavra de Deus de uma maneira tão sábia, inteligente e fervorosa! Era esse o Padre Antônio, o Saudoso Monsenhor Fagundes!

Que Deus o abençoe no seu Reino de glória!