Por Alex Rodrigues
Mesmo após a Secretaria de Educação de Rondônia negar que determinou que os colégios públicos estaduais recolhessem, das bibliotecas escolares, livros cujo conteúdo teria sido considerado impróprio para os alunos, o Ministério Público Federal (MPF) decidiu apurar a motivação da pasta ao elaborar um documento que sugere que a medida chegou a ser, no mínimo, cogitada.
A iniciativa da secretaria estadual de Educação se tornou pública nesta quinta-feira (6), quando cópias de um memorando começaram a ser compartilhadas em redes sociais e chegaram ao conhecimento da imprensa. O nome do secretário Suamy Vivecananda Lacerda de Abreu consta ao fim do texto, mas a assinatura eletrônica é da diretora-geral de educação, Irany de Oliveira Lima Morais.
Constam da relação de 43 livros que seriam recolhidos obras de autores consagrados, como Memórias Póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis, que muitos consideram o título mais importante da literatura brasileira, e Macunaíma, de Mário de Andrade, cuja leitura é cobrada em muitos vestibulares. Também estão na lista obras dos brasileiros Carlos Heitor Cony, Euclides da Cunha, Ferreira Gullar, Mário de Andrade, Nelson Rodrigues, Rubem Fonseca, do tcheco Franz Kafka e do norte-americano Edgar Allan Poe.
O memorando nº 4 pede às coordenadorias regionais de educação que “procedam com o recolhimento” dos livros relacionados “tendo em vista conterem conteúdos inadequados às crianças e adolescentes”. No texto, o secretário destaca “a importância dos senhores coordenadores estarem atentos às demais literaturas já existentes [no acervo das bibliotecas escolares] ou que chegam às escolas para uso nas atividades, a fim de que sejam analisadas e assegurados os direitos do estudante de usufruir do mesmo com a intervenção do professor ou sozinho, sem constrangimentos e desconfortos”. Os livros recolhidos deveriam ser entregues ao Núcleo do Livro Didático, da secretaria.
Após o assunto repercutir nacionalmente, tornando-se um dos assuntos mais comentados nas redes sociais ao longo do dia de hoje (7), a Seduc divulgou uma nota em que classifica os títulos que constam da lista como “clássicos literatura”. A pasta garante jamais ter ordenado que eles fossem recolhidos e tenta explicar a confusão alegando ter recebido uma denúncia a respeito da existência, nas bibliotecas escolares, de livros com “conteúdos inapropriados”.
“Diante disso, a equipe técnica da secretaria analisou as informações e constatou que os livros citados eram clássicos da Literatura Brasileira, muitos deles usados em processos seletivos e vestibulares. Sendo assim, o processo eletrônico que contém a análise técnica foi encerrado imediatamente sem ordem de tramitação para quaisquer órgãos externos, secretarias ou escolas públicas”, informa a nota, sem explicar a origem e o propósito dos documentos que se tornaram públicos.
Para o procurador da República Raphael Bevilaqua, do MPF, a questão ainda não está esclarecida. Ele instaurou um procedimento preparatório para investigar a atuação da secretaria estadual e pediu que a Seduc envie cópias integrais do memorando-circular 4/2020/SEDUC-DGE e do procedimento administrativo SEI 0029.051300/2020-91. O objetivo é saber em qual contexto se deu a elaboração dos documentos e se eles chegaram a ser enviados às coordenadorias regionais de ensino e que outras providências foram adotadas.
O procurador também espera que a pasta esclareça se os documentos que determinam o recolhimento dos livros estavam disponíveis para o público na Internet e, se sim, por quais motivos deixaram de ser acessíveis após a divulgação do tema em matérias jornalísticas. Para Bevilaqua, a suposta determinação de recolhimento de livros pode contrariar os preceitos da Lei de Diretrizes e Bases (LDB) da Educação Nacional, que estabelece que o ensino brasileiro dever respeitar os princípios da liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a cultura, além do pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas e o apreço à tolerância.
A secretaria estadual de Educação e a Coordenadoria Regional de Ensino têm dez dias para responder às perguntas do procurador. A reportagem não conseguiu confirmar se a pasta já foi oficialmente notificada da decisão.
Também em nota, o Sindicato dos Trabalhadores em Educação no Estado de Rondônia (Sintero), afirmou que, ao tomar conhecimento do assunto, consultou no Sistema Eletrônico de Informações (SEI/RO) a autenticidade do memorando que circula nas redes sociais e constatou que, segundo o sistema, o código verificador é inválido. “Tendo em vista a seriedade do assunto, o Sintero aguarda um posicionamento oficial do secretário de Estado da Educação. Além disso, comunica que já acionou a assessoria jurídica para análise da situação. Esperamos que essa situação seja esclarecida, pois não podemos tolerar que casos de censura sejam presenciados nas escolas de Rondônia. Se comprovarmos a veracidade dessa informação, iremos combater com rapidez e contundência esse comportamento”, afirma, na nota, a presidente do sindicato, Lionilda Simão.